Qual a relação entre o cancro e a nossa alimentação?
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Os maus hábitos alimentares são um dos principais fatores de risco que contribuem para a perda de anos de vida saudável na população portuguesa. O cancro é uma das principais causas de morte e morbilidade em todo o mundo. Mas qual a relação entre os dois?
Para além de terapias como a cirurgia, a quimioterapia, a radioterapia e a imunoterapia, há um reconhecimento crescente de que a nutrição desempenha um papel central não só na prevenção, mas também no apoio ao doente durante e após o tratamento. A dieta influencia fatores como a inflamação, o stress oxidativo, a função imunitária, a composição corporal e o metabolismo, todos com impacto direto no risco, evolução e qualidade de vida do doente oncológico. (1,2)
Em Portugal, os guias clínicos e as associações destacam a importância de uma alimentação saudável, inspirada em normas como a Dieta Mediterrânica, no apoio aos doentes oncológicos. (3,4)
Prevenção
Cerca de um terço dos cancros podem ser prevenidos através da alteração dos hábitos alimentares e da adaptação de comportamentos a um estilo de vida mais saudável, como não fumar, não beber álcool, praticar exercício físico e ter hábitos de sono saudáveis . (1)
Diversos estudos epidemiológicos associam a adesão a uma dieta mediterrânica a um risco reduzido de vários tipos de cancro. Uma revisão sistemática demonstrou que este padrão alimentar, rico em frutas, vegetais, cereais integrais, peixe e gorduras insaturadas (como o azeite), está correlacionado com uma menor incidência de cancro colorretal, da mama e do sistema digestivo. (5,6)
Em Portugal, o Guia Alimentar da Dieta Mediterrânica inclui produtos de origem vegetal (leguminosas, legumes, frutas), produtos integrais, peixe, azeite como principal fonte de gordura e redução do consumo de carnes vermelhas e processadas, características associadas a um menor risco de cancro. (7)
Durante o tratamento
Após o diagnóstico de cancro, uma das principais preocupações é a malnutrição, a perda de peso involuntária e a sarcopenia (perda significativa de massa muscular) , que pioram o prognóstico, aumentam as complicações e reduzem a qualidade de vida. (8)
O relatório "Fatores nutricionais durante e após o cancro: impactos na recuperação, sobrevivência e qualidade de vida" mostra que fatores nutricionais como a perda de peso, a desnutrição ou o aumento excessivo de peso (dependendo do tipo de cancro) são determinantes da mortalidade, recorrência ou segundo cancro primário. (9)
Além disso, as intervenções nutricionais durante o tratamento podem melhorar a tolerância à terapêutica, reduzir a toxicidade, diminuir as hospitalizações e melhorar a recuperação. As guidelines internacionais, como as da Sociedade Europeia de Nutrição Clínica e Metabolismo (ESPEN), recomendam o rastreio regular do estado nutricional, a avaliação personalizada, o suporte dietético e, se necessário, a suplementação ou nutrição parentérica como suporte. (10)
Durante o tratamento do cancro, os doentes podem enfrentar desafios nutricionais devido a efeitos secundários como náuseas, perda de apetite e alterações no paladar. Uma intervenção nutricional adequada é essencial para manter o estado nutricional, melhorar a resposta ao tratamento e reduzir as complicações. A monitorização regular do estado nutricional e a implementação de estratégias dietéticas personalizadas podem beneficiar os doentes oncológicos. (1)
Durante os tratamentos, podem ocorrer desregulações intestinais, resultando em diarreia ou obstipação. A diarreia pode ser provocada por infeções e doenças, comprometendo a digestão e a absorção de nutrientes, o que pode levar à desidratação e à desnutrição. A obstipação pode ser provocada ou agravada por alguns medicamentos, alterações alimentares, ingestão inadequada de água e inatividade. Pode ser acompanhada de dor abdominal, sensação de distensão abdominal, flatulência e náuseas. A obstipação deve ser prevenida ou tratada precocemente, caso contrário as suas complicações e desconforto tornam-se mais difíceis de resolver. (9)
Recomendações
Num estudo publicado pela European Prospective Investigation on Cancer and Nutrition (EPIC), concluiu-se que o consumo de frutas e vegetais teve um efeito protetor contra o cancro colorretal, da mama e do pulmão, enquanto apenas as frutas tiveram um efeito protetor contra o cancro da próstata. Um maior consumo de peixe e um menor consumo de carne vermelha e processada estiveram relacionados com um menor risco de cancro colorretal, e um maior consumo de peixe gordo com um menor risco de cancro da mama. A ingestão de cálcio e iogurte mostrou-se protetora contra o cancro colorretal e da próstata. O consumo de álcool aumentou o risco de cancro colorretal e da mama. Por fim, a adesão à dieta mediterrânica surgiu como um fator protetor contra o cancro colorretal e da mama. (10)
Com base em guias portugueses e internacionais, as práticas que beneficiam os doentes com cancro incluem:
- Avaliação nutricional precoce logo após o diagnóstico. Identificar o risco de desnutrição, perda de peso ou aumento excessivo de peso e tomar medidas . (10)
- Alimentação personalizada: ajuste da ingestão energética, qualidade da proteína, micronutrientes, hidratação e tolerância individual (níveis de apetite, efeitos secundários como náuseas, mucosite). (3,10)
- Utilização de dietas ricas em alimentos de origem vegetal, cereais integrais, peixe, vegetais, leguminosas, frutas, gorduras saudáveis (azeite) e restrição de carne vermelha processada e álcool. (5,6)
- Acompanhamento multidisciplinar: nutricionistas integrados na equipa de saúde que trata o doente, para que este possa adaptar a dieta de acordo com a evolução clínica.
- Monitorização contínua durante e após o tratamento para evitar complicações nutricionais, preservar a massa muscular, a funcionalidade e a qualidade de vida. (10)
Conclusão
A nutrição é um elemento essencial em todas as fases do cancro, desde a prevenção ao tratamento e à sobrevivência, sendo hoje considerada parte integrante dos cuidados oncológicos.
Padrões alimentares saudáveis, como a dieta mediterrânica, associados a uma ingestão adequada de nutrientes, ao controlo da inflamação e à manutenção de um estado nutricional equilibrado, estão fortemente relacionados com melhores resultados clínicos, menor risco de recorrência e maior qualidade de vida. No entanto, a variabilidade individual, determinada por fatores genéticos, estado metabólico e tipo de cancro, reforça a importância de recomendações nutricionais personalizadas e baseadas em evidências científicas.
Para além das guidelines clínicas, é também relevante que os doentes tenham acesso a opções alimentares equilibradas e práticas, como snacks e refeições adaptadas, que possam ser facilmente incorporadas no dia-a-dia, contribuindo assim para a promoção do bem-estar e resultados mais positivos.
Segue-se uma lista de alguns dos snacks da Oh! My Snacks que podem ser adequados para quem sofre desta patologia:
- Mix de Nozes Australianas
- Bolas proteicas com creme de coco e cacau
- Barra de proteína crua com nozes e frutos vermelhos
- Barra proteica de ervilha com morango e sementes de cânhamo .
- Vibrações mediterrânicas de fusão salgada
- Bolo de Cenoura e Amêndoa
Bibliografia :
(1) Instituto Português de Oncologia de Lisboa (IPO Lisboa). Alimentação e cancro: aposta na dieta mediterrânica e num estilo de vida saudável [Internet]. Lisboa: IPO Lisboa; 2023 [ citado em 18 de Setembro de 2025 ].
(2) Mentella MC, Scaldaferri F, Ricci C, Gasbarrini A, Miggiano GAD. Cancro e dieta mediterrânica: uma revisão. Nutrientes . 2019;11(9):2059. doi:10.3390/nu11092059. PMID:31480794.
(3) Sapienza C, Issa JP. Dieta, nutrição e epigenética do cancro. Annu Rev Nutr . 2016;36:665–681 . doi:10.1146/annurev-nutr-121415-112634. PMID:27022771.
(4) Ubago -Guisado E, Rodríguez-Barranco M, Ching-López A, Petrova D, Molina-Montes E, Amiano P, et al. Atualização de evidência sobre a relação entre a dieta e os cancros mais comuns do estudo European Prospective Investigation into Cancer and Nutrition (EPIC): uma revisão sistemática. Nutrientes . 2021; 13(10 ): 3582. doi: 10.3390/nu13103582. PMID: 34684583.
(5) Salas S, Cottet V, Dossus L, Fassier P, Ginhac J, Latino-Martel P, et al. Fatores nutricionais durante e após o cancro: impactos na sobrevivência e na qualidade de vida. Nutrientes . 2022;14(14):2958. doi:10.3390/nu14142958.
(6) Castro-Espín C, Agudo A, et al. O papel da dieta no prognóstico entre sobreviventes de cancro: uma revisão sistemática e meta-análise de padrões alimentares e intervenções dietéticas. Nutrientes . 2022;14(2):348. doi:10.3390/nu14020348. PMID:35057525.
(7) Arends J, Bachmann P, Baracos V, Barthelemy N, Bertz H, Bozzetti F, et al.; ESPEN. Guidelines do ESPEN sobre nutrição em doentes com cancro. Clin Nutr . 2017;36(1):11–48. doi:10.1016/j.clnu.2016.07.015 . PMID:27637832.
(8) Reglero C, Reglero G. Nutrição de precisão e prevenção da recidiva do cancro: uma revisão sistemática da literatura. Nutrientes . 2019;11(11):2799. doi:10.3390/nu11112799. PMID:31744117.
(9) Nutricia Portugal. Guia de Alimentação na Pessoa com Cancro [Internet]. Lisboa: Nutricia; 2022 [consultado em 18 de setembro de 2025]. Disponível em: https://www.nutricia.pt/wp-content/uploads/2022/10/Guia-de-Alimenta%C3%A7%C3%A3o-no-Profissional_148x210mm_Digital.pdf
(10) Gonzalez CA, Riboli E. Dieta e prevenção do cancro: Contributos do estudo European Prospective Investigation into Cancer and Nutrition (EPIC). Eur J Cancer . 2010 Set;46(14):2555-62. DOI:10.1016/j.ejca.2010.07.025 . PMID:20843485.
Autora: Sofia Silva 5784N